Acordei hoje pensando nas mulheres e suas estórias de vida, seus objetivos, suas regras e conflitos, seus amores e desamores, suas escolhas e imposições, a fragilidade e a força feminina. Estive de férias e sem a obrigação de escrever uma só linha por mais de três semanas_ nem relatórios, nem laudos e pareceres, nem dissertações e nem coisas atoa que costumo publicar no blog. E parece que isso me deu mais força para querer retornar às palavras. Eu definitivamente admiro as mulheres, elas transformam a dor em ação e enfrentamento. Por vezes, infelizmente, são capazes de uma devastadora autodestruição. A energia gerada durante o sofrimento feminino é tão grande e ainda maior que a simples a capacidade física de um homem para carregar peso ou a habilidade objetiva para estratégias e negócios. Não é fácil sermos “super-poderosas”, e nós somos. Pena que muitas não se dão conta disso!
Lembrei-me da moça jovem que se casou para sair de casa e foi morar na casa da sogra. Depois de alguns meses de humilhação e durante a primeira gravidez, o marido resolveu começar a construir uma casa simples para os dois. Lá estava ela de barrigão numa casa sem telhado e nem se quer laje. Passando frio para não ter que ser mal tratada pela sogra e nem voltar para casa dos pais. O marido, usuário de drogas, finalizou a obra como e quando pôde. Como um rato entre labirintos ela enfrentou seus medos enquanto ele estava em qualquer outro lugar fora ou dentro de si menos ali ao lado dela.
A violência familiar arrasa as expectativas de sucesso nas relações de interpessoais. Me entristeci com a realidade das crianças em lares desequilibrados onde o agressor mora no quarto ao lado. O medo se torna tão íntimo quanto o pai que abusou sexualmente da filha aos doze anos de idade. Foi difícil ouvir as barbaridades de um mostro que pediu perdão e foi perdoado pela filha. A mãe, que nada fez, hoje sofre de psicopatia grave. As feridas da mãe não deram conta de perdoar este homem com quem ela dorme todas as noites até os dias de hoje. A menina aos dezoito anos saiu de casa e a mãe está em vias de uma internação psiquiátrica.
Pensei na meiga jovem do interior que foi para cidade grande enfrentar o mercado de trabalho. Ela é dona de notável inteligência e uma beleza exuberante com seus cabelos loiros, olhos azuis e altura de miss. Aquela que todos gostam e confiam escondia a decepção de um amor não atendo. Inevitável não perceber o olhar dos homens para ela. Sozinha vai vencendo sua própria amargura de se sentir rejeitada por um relacionamento a caminho do fim. Ele, prostrado em frente ao computador dia e noite. Ela, se conformando com a migalha de vê-lo às vezes e sempre com a internet como centro e meio para o diálogo.
Vi o ataque epilético da menina de dezenove anos que trabalha como empregada doméstica para sustentar a casa. Pobre garota pobre, com dois filhos para criar e uma mãe com Auzimer. Teve seu primeiro filho aos treze anos de idade. Com a gravidez de risco acabou adquirindo epilepsia para o resto dos seus dias. Quando ela voltou à consciência perguntava se iria ser demitida depois do episódio de crise. As pessoas costumam demiti-la quando percebem a doença. Para os menos informados e preconceituosos é como se o doente estivesse “endemoniado”. É assustador o seu estado durante o inevitável ataque que lhe acomete a cada dois meses mais ou menos. É assustador ser provedora, mãe, filha, doente e sozinha ainda tão nova. Pobre garota pobre...
O sofrimento não é um benefício apenas para as mulheres jovens, também houve uma senhorinha que dizia que o marido era um homem muito bom para ela. Várias vezes ela repetia as qualidades do homem com quem nunca se casou. Moravam juntos há mais de vinte anos. Ela dizia que ele só não era uma pessoa maravilhosa quando bebia. Sob o efeito do álcool ele se tornava frio, grosseiro, quebrava coisas dentro de casa e ameaçava agredi-la fisicamente. Já não dividiam o mesmo quarto há anos. Perguntei a ela com que freqüência ele estava embriagado e se tornava um homem ruim e ela me respondeu com olhos emocionados que ele bebia todos os dias a noite... Pouco tempo depois ela, quase aos setenta anos, veio me contar que havia se separado. Ele, além de retirar-lhe a segurança de uma companhia durante a velhice, pediu metade de tudo o que era dela como forma de negociação para sair de casa.
A senhora moça que passou a vida como dona de casa dedicada ao marido, aos filhos e netos. Foi uma das mais nobres pessoas que conheci e vangloriáva-se pelo prazer de sentir-se mais linda a cada dia a espera de seu amado. Ninguém reconhecia sua idade e muito menos o motivo que levou o marido a traição. No dia que ela descobriu através da própria amante dele seu mundo ruiu. A depressão foi inevitável e ela acabou com um quadro de anorexia na UTI de um hospital. Não conseguia suportar a dor da humilhação social e a vergonha do erro das próprias escolhas. Embora nenhum homem peça permissão para trair, por que jurar e exigir um amor exclusivo para vida toda?
Talvez relacionamentos abertos onde não haja cobranças em relação à fidelidade e não se divide as contas seja uma saída. Não sei se acredito que alguém consegue ser feliz sem dividir a vida além da cama. Quando se chega em casa cansada, sem ninguém para conversar, sem um peito para recostar-se, sem alguém para fazer nossas vontades... E sem vontade de nada. A quem recorrer nestas horas? É mais deprimente ainda ver mulheres solitárias escondidas atrás de um rótulo de relacionamento seja ele qual for _como amantes, namorados, namoros à distância ou casamentos que não satisfazem a real necessidade de contato e atenção que nós mulheres precisamos e merecemos.
E Jéssica Parker, protagonista do filme Sex in the City que leva o mesmo nome do seriado sobre mulheres de vanguarda em New York City. Abandonada na porta da igreja pelo noivo. Um caso, um “rolo”, que durou dez anos e ousou tornar-se seu legítimo marido ficou com medo de encarar o altar depois de duas experiências fracassadas de casamentos mal sucedidos. Durante o enredo a cerimônia de casamento é vista como um negócio lucrativo, menosprezando assim os sonhos e fantasias comuns as Cinderelas do século XXI que fingem não ligar para toda esta ritualística.Não acho que a culpa esteja nos homens. Eles estão tão perdidos quanto as mulheres em suas contradições.
Quem consegue entender nossas vivências? Por que suportamos tanto? Esta atitude suicida será uma prova de ousadia ou covardia? Quem consegue medir o quanto suporta o coração de uma mulher e pra quê? Haja força para ser como as mulheres! Helenas e Marias. Amélias e Luízas. As que são mães e as que nunca serão. As virgens e as vítimas de estupro. As chefes e as faxineiras. As da política e as mais belas modelos do mundo. As cientistas e as artistas. As gueixas antigas e as prostitutas modernas. As policiais e presidiárias. Bombeiros e incendiárias. As religiosas e as bruxas... As menos ou mais encantadoras criaturas que habitam neste planeta e são movidas pela necessidade de amor.
Crica Fonseca _ Julho, 2008
2 comentários:
Que lindo seu texto Crica! Que lindo. Perguntas que não tem resposta, mesmo. Como pode, o que explica, pra que tudo isso... E, enquanto essas histórias acontecem e se repetem - sim, elas se repetem - o tempo voa sem piedade. Tudo muda, se transforma, amadurece, se moderniza. Mas o amor tá lá e o sonho tb, embalando corações, de mulheres e homens, que se recusam a desacreditar... Como o meu... Beijo grande
lindo texto fiquei encantada,e lendo o que voce escreveu me orgulho cada vez mais de ser Mulher!!
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