(Moacyr Scliar)
“Os laços afetivos desencadeiam emoções verdadeiramente vulcânicas. O ódio a uma pessoa próxima muitas vezes é de tal ordem que inevitavelmente leva ao crime”.
Numa carta famosa, Albert Einstein perguntou a Freud como explicar o fato de que, nas guerras, uma minoria consiga arrastar povos inteiros para o conflito e a desgraça. Freud respondeu de maneira igualmente famosa, mencionando duas forças que coexistem no ser humano: o instinto de vida, Eros, que, partindo do amor e da sexualidade, busca preservar a existência; e a pulsão da morte, inata dentro de cada um de nós. Esta última passou a ser designada por Tânatos, que, na mitologia grega, simbolizava a morte. Tânatos era irmão gêmeo de Hipnos, o deus do sono _ uma sugestão que a morte é apenas um passo, ainda que decisivo, na trajetória dos seres vivos.
Freud tinha boas razões para pensar na morte. Afinal, ele viveu a Primeira Guerra Mundial, com seus medonhos massacres; e viu a ascensão do nazismo, desencadeador de uma guerra que ele, no entanto, não chegou a presenciar: morreu exatamente no mês e no ano em que ela teve início, setembro de 1939.
Essas coisas nos vêm à mente neste momento em que o país todo discute, não raro com revolta e indignação, o assassinato da menina Isabella. A pergunta que nos atormenta é mais do que óbvia: como alguém pode matar uma criança, uma criaturinha fraca, indefesa, que mal começou a viver? É possível o ser humano fazer uma coisa dessas?
É possível, diz Freud. Aliás, não só ele. O tema do assassino movido pela forte emoção aparece já no começo daquele que é um texto fundamental de nossa cultura, a Bíblia. O primeiro crime é praticado pelo irmão da vítima, movido por uma cega inveja. E esse tema será constante na mitologia, no drama grego. Sinal de que corresponde a uma realidade. Uma realidade ainda mais dolorosa no caso dos crimes de sangue em que pessoas matam apesar dos laços afetivos que unem, por exemplo, pais e filhos.
Apesar dos laços afetivos? Não, justamente por causa dos laços afetivos. Os laços afetivos desencadeiam emoções verdadeiramente vulcânicas. O ódio a uma pessoa próxima muitas vezes é de tal ordem que inevitavelmente leva ao crime. Trata-se de uma tensão absolutamente insuportável. E aí podemos compreender o assassinato de pais, irmãos, esposos _ de filhos. O parricídio é um exemplo. Na tragédia de Sófocles, Édipo mata o pai aparentemente por uma fatalidade. Mas será que foi mesmo fatalidade? Será, pergunta Freud, que isso mão corresponda a um impulso existente em todos nós?
Ao conceito de parricídio, o psicanalista argentino Arnaldo Raskovsky ajuntou ao filicídio, que é uma variável extrema do infanticídio, uma prática tão sóbria como antiga que obedecia a motivos vários, controle populacional, ilegitimidade, falta de condições para manter família, eliminação de crianças defeituosas (o que era comum em Esparta).
As estatísticas a respeito são impressionantes, mesmo em países avançados: no Canadá, por exemplo, os menores de 18 anos representam 17% dos homicídios, dos quais 76% praticado por um membro de família; geralmente matando um filho ou uma filha. O mesmo aconteceu na Suécia, na Dinamarca, No Reino Unido. Um verdadeiro holocausto infantil, resultante, na maior parte das vezes, de doença mental: mais da metade dos pais filicidas têm um diagnóstico psiquiátrico. A isso devemos acrescentar os maus-tratos infantis, dos quais muitas vezes resulta a morte da criança.
É medonho, mas é humano. Faz parte da nossa maneira de ser, é a materialização das fantasias que habitam os escuros de nossa mente. O processo civilizatório, diz Freud, consiste exatamente nisso, em domar os instintos, canalizando a agressividade para coisas como o trabalho. Pagamos um preço por isso, que é o preço da neurose; mas, convenhamos, é melhor elaborar nossos problemas na terapia, ainda que seja doloroso, do que descarregar nossa fúria de maneira cega.
“Os laços afetivos desencadeiam emoções verdadeiramente vulcânicas. O ódio a uma pessoa próxima muitas vezes é de tal ordem que inevitavelmente leva ao crime”.
Numa carta famosa, Albert Einstein perguntou a Freud como explicar o fato de que, nas guerras, uma minoria consiga arrastar povos inteiros para o conflito e a desgraça. Freud respondeu de maneira igualmente famosa, mencionando duas forças que coexistem no ser humano: o instinto de vida, Eros, que, partindo do amor e da sexualidade, busca preservar a existência; e a pulsão da morte, inata dentro de cada um de nós. Esta última passou a ser designada por Tânatos, que, na mitologia grega, simbolizava a morte. Tânatos era irmão gêmeo de Hipnos, o deus do sono _ uma sugestão que a morte é apenas um passo, ainda que decisivo, na trajetória dos seres vivos.
Freud tinha boas razões para pensar na morte. Afinal, ele viveu a Primeira Guerra Mundial, com seus medonhos massacres; e viu a ascensão do nazismo, desencadeador de uma guerra que ele, no entanto, não chegou a presenciar: morreu exatamente no mês e no ano em que ela teve início, setembro de 1939.
Essas coisas nos vêm à mente neste momento em que o país todo discute, não raro com revolta e indignação, o assassinato da menina Isabella. A pergunta que nos atormenta é mais do que óbvia: como alguém pode matar uma criança, uma criaturinha fraca, indefesa, que mal começou a viver? É possível o ser humano fazer uma coisa dessas?
É possível, diz Freud. Aliás, não só ele. O tema do assassino movido pela forte emoção aparece já no começo daquele que é um texto fundamental de nossa cultura, a Bíblia. O primeiro crime é praticado pelo irmão da vítima, movido por uma cega inveja. E esse tema será constante na mitologia, no drama grego. Sinal de que corresponde a uma realidade. Uma realidade ainda mais dolorosa no caso dos crimes de sangue em que pessoas matam apesar dos laços afetivos que unem, por exemplo, pais e filhos.
Apesar dos laços afetivos? Não, justamente por causa dos laços afetivos. Os laços afetivos desencadeiam emoções verdadeiramente vulcânicas. O ódio a uma pessoa próxima muitas vezes é de tal ordem que inevitavelmente leva ao crime. Trata-se de uma tensão absolutamente insuportável. E aí podemos compreender o assassinato de pais, irmãos, esposos _ de filhos. O parricídio é um exemplo. Na tragédia de Sófocles, Édipo mata o pai aparentemente por uma fatalidade. Mas será que foi mesmo fatalidade? Será, pergunta Freud, que isso mão corresponda a um impulso existente em todos nós?
Ao conceito de parricídio, o psicanalista argentino Arnaldo Raskovsky ajuntou ao filicídio, que é uma variável extrema do infanticídio, uma prática tão sóbria como antiga que obedecia a motivos vários, controle populacional, ilegitimidade, falta de condições para manter família, eliminação de crianças defeituosas (o que era comum em Esparta).
As estatísticas a respeito são impressionantes, mesmo em países avançados: no Canadá, por exemplo, os menores de 18 anos representam 17% dos homicídios, dos quais 76% praticado por um membro de família; geralmente matando um filho ou uma filha. O mesmo aconteceu na Suécia, na Dinamarca, No Reino Unido. Um verdadeiro holocausto infantil, resultante, na maior parte das vezes, de doença mental: mais da metade dos pais filicidas têm um diagnóstico psiquiátrico. A isso devemos acrescentar os maus-tratos infantis, dos quais muitas vezes resulta a morte da criança.
É medonho, mas é humano. Faz parte da nossa maneira de ser, é a materialização das fantasias que habitam os escuros de nossa mente. O processo civilizatório, diz Freud, consiste exatamente nisso, em domar os instintos, canalizando a agressividade para coisas como o trabalho. Pagamos um preço por isso, que é o preço da neurose; mas, convenhamos, é melhor elaborar nossos problemas na terapia, ainda que seja doloroso, do que descarregar nossa fúria de maneira cega.
3 comentários:
Li a carta mencionada uma vez, por mera curiosidade... Carta de Einstein a Freud... Se nem eles conseguem responder ao certo o porque das guerras, imagina nós meros mortais...=P
O X da questão aliás já foi apontado. As pessoas menos agressivas, hoje, precisam de terapia... Imagina as mais neuróticas.
Quanto a questão da afetividade, não conta. O limite entre o amor e o ódio é muito pequeno, quase invisível.
Mas é isso mesmo, Tinne... A coisa sempre tende a piorar.
Lei de murphy.
Bjs!
Crica, que medo!! Do que o somos todos capazes. Amar com plenitude, mas odiar com a mesma força. É realmente um mistério da mente humana. "Apesar dos laços afetivos? Não, justamente por causa deles. É medonho, mas é humano." Verdadeiro e real! Excelente post amiga! Excelente post!! Beijo
Eu tenho planos de viver pra sempre, até agora vem dado certo rsrs, vamos ver no que dá né...
mas eu fico impressionado com a capacidade de amar e de odiar q tem o ser humano, sera q um dia aprenderesm conviver uns com os outros? Amando mais q odiando? Espero estar vivo quando isso acontecer.
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