Botas Salto Agulha

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terça-feira

Meu Príncipe Desencantado

(Crica Fonsca)
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Abandonou a donzela desamparada.
Foi destituído pela Princesa. Não obedeceu às ordens da Rainha.
Engraçou-se com a bruxa. E, virou sapo.

Para alguns, ele foi como um herói salvador retirando a mocinha de seu cruel destino. Pena que não nos foi revelado nos Contos de Fada as verdades sobre o depois da frase; “E, viverem felizes para sempre...” A realidade é dura e o herói tem suas frescuras! A princesa acaba a mercê de um homem que não sabe viver sem correr atrás de donzelas para salvá-las.

Tenho a impressão que ele passará o resto vida subindo torres de castelo, se embrenhando no mato, enfrentando dragões, pertencendo aos sonhos de moças solitárias que mais tarde se apaixonam fazendo tudo o que ele quer. Com o passar dos dias desaparece para dar o tempo de aumentar ainda mais a saudade da pessoa amada. Envolvendo-se em corridas, brigas, batalhas, cruzadas, competições e conquistas com seus amigos e companheiros de guerra. Por vezes ganha o corpo de uma mulher como recompensa. Haverá sempre alguém para deitar-se com ele, mesmo que apenas por uma noite.

Ele despertou o ódio e a inveja na bruxa que me amaldiçoou. Ela, quem se dizia minha amiga, sofreu o retorno dobrado do efeito de sua maldição mal feita. Fui perseguida por ela durante muito tempo. Ultimamente não há sinal da malvada e nem mesmo dele. Será que ela finalmente acertou a mão e o enfeitiçou? Será que ele foi capaz de ceder aos encantos da bruxa e ela resolveu me deixar em paz? Ela sabe ao certo o que fazer com a virilidade dos homens para se tornem escravos dos desejos obscuros de uma mulher.

A armadura de aço, pertencente ao bravo guerreiro, já fora derrubada por ela no passado. Não poderíamos ter certeza de que isso não viria acontecer mais uma vez. Eles, o príncipe e a bruxa, juntos já haviam conseguido fazer com que o verbo se fizesse carne, mas por fim ainda criança se tornou verbo novamente. Não sobreviveu entre os humanos. O filho deles morreu nas águas sendo levando pelas lendas encantadas do Reino dos Céus.

Pobre daquela que pensar ter sido eleita a rainha, embora eu já tenha querido fazer tudo para sê-lo. Nas noites frias de inverno e nas noites quentes de verão ela terá que se contentar com a lembrança de um alguém que só se faz presente para suprir as suas próprias necessidades de envolvimento. Vez em quando, ele recorrerá a esta mulher de amor maternal e que o trata de maneira especial.

A Rainha mãe já te o deserdou, colou um dos lindos irmãos no lugar dele, porque preferiu ser o primogênito ausente. Não são todas as mulheres que se deixam enganar em nome do amor, é preciso que este amor se faça presente. Eu poderia vir a me anular para manter a paz no meu reino, sendo esta uma causa nobre, mas só o faria se eu tivesse certeza que o Rei deste lugar é inteiramente meu e apenas nos meus braços viria descansar.

Atitudes nobres para com um príncipe desencantado não vão me levar a lugar algum. Eu gostaria muito de comunicar a ele, que se encontra desaparecido no momento, que coloquei o seu papel a disposição de outro que possa vir a aparecer na minha vida. Existem algumas verdades até então não reveladas, embora pressentidas e sentidas, por isso não o procuro e estou evitando-o.

Penso, sinceramente, que ele não apercebeu o quanto bagunçou a minha vida. Quebrou-se uma estrutura porque ela precisava ser quebrada. Porém, não há culpados nesta hora. Ele foi pra mim: o homem que me satisfez, me deixou louca de prazer, quem me fascinou e me fez não querer voltar à realidade. Teve-me sem restrições, e me deixou sorrindo atoa. Também foi o dono do meu pranto e da minha solidão porque não conheci no mundo outro que possa ser como ele.

Tirou-me o sono, me deixou preocupada, me irritou profundamente, me encontrou novamente e me encantou. Fez com que eu mentisse, por vezes pra mim mesma. Assustou-me. Me magoou e me abandonou quando eu mais precisei. Ditou as regras da relação, eu não consegui fazer oposições por medo de perdê-lo. Infelizmente, foi ele quem me perdeu para sempre.

Culpou-me e me pediu desculpas. Tornou-me cúmplice dos seus devaneios e da sua morte que poderia ter sido repentina pelos riscos que corria. Calei-me, eu consenti. Eu o pertenci, eu o amei. Embora ele nunca tenha ouvido minha boca dizendo que 0 amava, jamais ouvirá. Salvo no dia de hoje, quando me revelo sem disfarces para me afasta-lo de uma vez por todas. Quando chego à pureza deste sentimento, é também quando meu peito sangra com um punhal encravado no peito.

Quero que ele nunca mais retorne, não faça despedidas para eu não cair, saia definitivamente da minha vida. Posso ser julgada como uma princesa covarde e fria. Frieza e, principalmente, covardia foi o que recebi dele. Estou usando próprias armas dele para acabar com ele mesmo, para destruí-lo dentro do meu eu e me destruir um pouco também. Sentirei falta, construirei novamente este pedaço de mim mesma.

Ele experimente do próprio veneno. Este já me arrasou algumas vezes, eu sobrevivi a esta pequena dose supostamente letal e assim será. Ficará sem mim, não sentirá o cheiro do meu perfume e nem a doçura dos meus lábios. Sairá por aí buscando em outros corpos o único corpo que o completa, como eu fiz. Dormirá, se conseguir, imaginando onde e com quem eu passei a noite. Quando chamado dele aparecer diante dos meus olhos vou fingir que não ouvi. Se alguém me perguntar se recebi o recado, direi não. Preocupar-se-á com o falto de eu estar viva ou morta. Imaginar-me-á num caixão fúnebre e irá levar tantas flores quantas as que ele me entregou ou prometeu entregar em vida.

Quebrei as regras, passei por cima de alguns dos meus valores e enfrentei muito mais fantasmas do que se possa imaginar. Posso ser tão forte agora quanto fui ao aceita-lo. Encontrarei outras bruxas, enfrentarei monstros, estarei solitária em torres, andarei na floresta escura... Porém um dia, um outro cavaleiro mais forte e autêntico virá ao meu encontro. Encerrar-se-á um ciclo onde ele não está, não por ausência física, mas por incompetência para torna plena uma realidade que vivemos juntos há anos. Que este fim se faça como seu início, cheio de mistérios e conflitos jamais compreendidos.

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Crica Fonseca
(Texto escrito em 2005)

2 comentários:

Filipe disse...

legal o texto, as vezes me deu medo hehehe coisas de homens...

"p q não as duas coisas ao mesmo tempo?" Pq tem coisas que q não rolam de serem feitas ao mesmo tempo.
=***

Anônimo disse...

Realmente um princípe desencantado. Gostei muito do texto, principalmente o trecho onde após os felizes para sempre há a constatação de que o princípe sempre vai querer salvar outras donzelas, lutar com dragões, correr riscos e sempre vai haver alguém pra se deitar com ele, mesmo que seja uma noite. Há que há muitos assim.

Abraço,

R.Vinicius